sábado, 17 de maio de 2014

Crítica: Godzilla

Um filme sobre seres humanos em um mundo de monstros

Por Pedro Strazza

"A arrogância dos homens é pensar que a natureza está em seu controle e não o contrário." diz o doutor Serizawa (Ken Watanabe) ao almirante Stenz (David Strathairn) quando, em determinado momento de Godzilla, as Forças Armadas estadunidenses percebem sua ineficácia perante à ameaça de extinção trazida pelos enormes kaijus. As palavras do cientista, além de sábias, resumem não só este reconhecimento da humanidade de seu fracasso - que, aliado ao medo desestabilizante de depender de uma força ao qual não pode controlar ou sequer negociar com, aterroriza um planeta onde tudo pode ser medido, estudado ou governado - como também os objetivos de Gareth Edwards nesta nova refilmagem de Hollywood sobre o clássico monstro japonês.

Contrariando por completo as ideias do fracassado filme de 1998 comandado por Roland Emmerich, o novato diretor procura promover aqui tanto uma homenagem à produção original japonesa e seus valores - e agradando vários fãs da criatura no processo - quanto analisar a hipotética situação onde o ser humano seria minimizado por um acontecimento maior. Assim, quando monstros maiores que prédios começam a caminhar pela superfície da Terra e a destruir cidades inteiras sem qualquer esforço ou intenção, Edwards faz questão de mover sua câmera da causa para as vítimas, omitindo do espectador o monstro para dar preferência à visão dos efeitos de sua passagem. E apesar de não fazer isso com requintes de crueldade (quase nunca vemos corpos, por exemplo), o filme consegue ainda trazer este colapso físico-social proporcionado pela existência breve destas (poucas) criaturas.

Estes seres gigantescos, diferente de outras produções originadas pelos tokusatsus (incluindo aí o recente Círculo de Fogo), não possuem em seu âmago nenhuma vilania ou sequer má intenção. Extremamente bem retratados pelos ótimos efeitos visuais do filme, os monstros deste Godzilla - à exceção do próprio, que aqui surge estranhamente como um "agente de equilíbrio" da natureza - tem por objetivo primário a perpetuação de sua espécie, e não se diferenciam portanto dos outros seres vivos do planeta. E como qualquer outra criatura, seu "ódio" pelos homens (tão mínimos quanto uma formiga é para eles) só aparecerá quando estes, em desespero para sobreviverem aos eventos, começam a interferir em seu projeto.

Mas se nos monstros Edwards é eficaz em seus esforços de "humanização", com os seres humanos o filme se perde. Inicialmente uma tarefa simples quando em comparação com a anterior, o roteiro de Max Borenstein e Dave Callaham é demasiado superficial e básico com o seu núcleo de personagens, prejudicando seriamente a pauta principal da produção e tornando a condução da trama em algo deveras enfadonho. Se melhor desenvolvidos ou utilizados, o elenco - composto por nomes fortes como Bryan Cranston, Juliette Binoche, Aaron Taylor-Johnson, Elizabeth Olsen, Watanabe e Strahairn - poderia carregar o filme como exigido e tornar a experiência que Godzilla se propõe a ser mais orgânica e funcional.

Sem isso, entretanto, o caminho tomado é o oposto, e o espectador é tomado por uma incômoda e recorrente sensação de frustração. A cada nova aparição de um monstro na tela, Edwards realiza aquele seu movimento descrito há pouco com uma intenção nobre (e em diversos momentos genial, a exemplo dos planos cortados pelo fechamento de uma porta ou passada direta para uma TV que noticia o momento), mas isso se traduz erroneamente ao público graças à falta de interesse desta com os personagens-guia. Dessa forma, a expectativa para o combate final entre as criaturas gigantes aumenta em caráter desnecessariamente exponencial para o último ato - que, por sua curta duração, pode não atender às promessas de todos.

Conduzido por uma excelente trilha de Alexander Desplat, cuja tensão e aplicação são bem dosadas, Godzilla é um projeto de ideias ousadas e corajosas, mas de aplicação não muito bem planejada. Erros e decisões precipitadas à parte, o filme apresenta em sua estrutura uma abordagem curiosa e bem trabalhada dos monstros que o cinema sempre admirou e temeu, mas nunca antes reconheceu como outro ser vivo qualquer - em proporções bem grotescas, claro.

Nota: 7/10

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